Quinta-feira, 7 de Abril de 2005

Já nem sei bem porquê...

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... relembrei a despedida.
Faz já alguns anos que perdemos contacto, que deixamos de enviar as nossas pequenas missivas - pequenos sinais acenando a nossa existência e sobrevivência à... morte, que decidiste não esperar a meu lado.
Bastava nesses dias, se bem te lembras, o peso do teu corpo: tão mole! Dava-me gozo roubar-te força e vida. E esmiuçar os teus medos das minhas mudanças repentinas e das minhas garotices com outras mulheres.
Mal recordo esses dias... esqueci?! Evidentemente, que não! E apenas queria dizer-te que os retalhos com que me deixaste correspondem aos sulcos gravados na pele porque nunca cicatrizaste.
Que é feito de ti? Provavelmente, serás o que sou. Um pouco de nada, não? E, no entanto, não perdes a tua postura...
Sim!, imagino-te ainda ambiciosa, orgulhosa, arrogante, fria, bela, triste e imortal... tudo na mesma, portanto.
Aí onde tu estás, porque é tarde para voltar aquele sítio onde a tua alma suplicava à minha o calor que algum ser divino havia acendido em mim, digo-te que não vivo mais a angústia que me fizeste provar, mas a melancolia com que me cobriste e que depois de tanto tempo não consegui empurrar para o lado...
Foste a primeira tudo da minha vida... aquilo que vivo com outras foi igual ao que já havia provado contigo. O resto da minha vida resume-se a repetição e a reposições da nossa história.
Sinceramente, não seria honesto de outra forma, todo o amor que acabei por experimentar com outras mulhere, foi a sobra e estilhaços daquele que experimentei contigo...!
Se conhecesses a minha vida seria-te bruscamente revelado que todas as mulheres com quem me relacionei - soaria mais verdadeiro: dormi? - têm um denominador comum que, mesmo agora, não te consigo confessar. Essa característica comum iniciou-se contigo.
Nos meus múltiplos devaneios e acessos de loucura odiei-te... e amei-te por teres despertado em mim a fúria e a raiva que as músicas do início dos anos 90 evocavam.
... e não é por isso que me tornei no que sou?!
A música ditou-me a vida, os livros que li, o amor que me arrastou para uma vida de celibato psicológico e as múltiplas conversas com estranhos tornaram-me no homem desta cidade cinzenta... sou um pouco mais do que um na multidão e muito menos do que tu.
O horizonte ainda me relembra o fundo do teu eterno... e na suave contemplação da fugacidade vou passando o tempo entretendo-me e entendendo que já nada és... ganho a certeza (e torno-a absoluta) que terias que te esforçar muito mais para me matares.
Ressuscitei!
Na altura, tudo que me dizias soava a falso... agora, não restam dúvidas: era mesmo uma ilusão!
Terás que confessar... comigo viveste os teus melhores dias. Eu? Vivo num estado avançado e desenvolvido de agnóstico. Ouviste bem?... Ah, minha Deusa.
Tudo isto me deixa um vazio que vou enchendo com alcoól e que diariamente transborda de mau humor. Eliminaste todas as hipóteses de reconciliação quando pronunciaste aquelas cruéis palavras... disseste-as para que não as esquecesse, como também eu te disse tanto.
Ambos conhecíamos os pontos fracos do outro e ambos tocávamos a dor como de amizade se tratasse... Nunca ninguém nos havia ensinado...
... nem eu consegui ensinar-te o que desejava...! Seria real tudo aquilo?... Porque te revelavas então?
Já é tarde... não volto mais aqui. Aqui fico sozinho, diria mesmo abandonado se não soasse piegas. Aqui, junto ao meu piano que solta pequenos berros de histeria, berros abafados pelo silêncio da noite e impregnados do teu hálito.
De repente, num tempo meticulosamente estudado para coincidir com o último trago de Whisky, entra ela: a puta, só de nome! Ela tinha um fascínio pelas cores e ele sorria ao pensar na cara dela quando descobrisse a cor da morte...
CVA, «Caderno de Apontamentos» 2001


escrito pelo Homem Fantasma às 15:13
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